segunda-feira, 29 de agosto de 2016

Conhecimento - Penso Logo Existo

O que podemos conhecer? Como podemos conhecer? O que é o conhecimento? Esses questionamentos rondam a história da humanidade e ainda hoje você ouve alguém conversando na rua sobre esse assunto. Mas será que essas perguntas podem ser respondidas? Será que realmente podemos conhecer algo além daquilo nossos sentidos nos revelam? A filosofia tenta há tempos responder essas questões, e o campo de estudo que lida com isso é chamado de EPISTEMOLOGIA. A palavra epistemologia deriva do grego episteme (conhecimento cientifico ou filosófico, em oposição à opinião) e logos (razão, ou estudo de algo) e pode ser traduzida como “estudo da origem e dos limites do conhecimento”. O ramo estuda basicamente os métodos utilizados para alcançar um possível conhecimento filosófico.

Muitas pessoas tentaram trazer algumas respostas para essas questões, e uma dessas pessoas se chamava René Descartes, filósofo francês nascido em 1596. Durante a Renascença, muitas pessoas tinham se tornado céticas em relação ao conhecimento da ciência e da possibilidade de um conhecimento que pudesse explicar o mundo de maneira genuína, e esse pensamento continuou a exercer grande influência na época de Descartes. Assim, o desejo de livrar a ciência desse ceticismo que tanto o incomodava, foi o que motivou seus estudos no campo da investigação do conhecimento.

Descartes fez uso do próprio ceticismo para estabelecer um alicerce para seu método de estudos sobre as possibilidades do conhecimento. Seu método foi escrito em primeira pessoa porque ele queria que o leitor percorresse o mesmo caminho que o seu. O que de certa forma, obriga o leitor a adotar a visão daquele que reflete, sempre ponderando sobre as possibilidades, da mesma maneira que fez.

No intuito de estabelecer que seu método fosse estável e resistente, coisa que considerava importante para o conhecimento, Descartes fez uso da chamada “dúvida metódica”, no intuito de destruir as bases que não são confiáveis, para isso parte da ideia de deixar de lado todas as crenças que podem ser questionadas, de leve ou completamente, ou seja, se algo em que acredito puder ser questionado de alguma maneira, devo considerar como suspeito.

Primeiro ele começa a questionar os sentidos, pois não posso confiar inteiramente nas coisas que vejo ou sinto sendo que em algum momento da vida já fomos enganados pelos sentidos, você já deve ter olhado para o horizonte na rua num dia muito quente e viu aquelas ondas de calor que distorcem as imagens, isso é um exemplo de ilusão de ótica que facilmente enganam nossos sentidos, bem como tantos outros. Por isso os sentidos não são confiáveis como fonte de conhecimento, por exemplo, quem pode te garantir que você realmente esteja lendo este texto, como que você poderia negar que suas mãos realmente sejam suas? A não ser é claro que você seja louco e seus sentidos estejam abalados por circunstancias externas a você, e nesse caso talvez você comece ver duendes ou Pokémons no plano de fundo (e tudo que eu disse pode ser desconsiderado). 

Outro argumento de Descartes é o argumento dos sonhos. Quem garante que isso aqui não é um sonho? Como eu posso saber que não estou sonhando? De fato, não há indícios certos se estou acordado. Já sentiu aquela sensação de acordar e não saber distinguir bem entre o sonho e a realidade? Isso costuma acontecer por apenas alguns segundos depois que acordamos, quase imperceptível, ou seja, mais uma ilusão que posso ter, a de que estou sonhando. 

Mesmo assim, ainda resta uma coisa que deixa aberta a possibilidade de existir algumas verdades mais simples e universais que possam ser conhecidas, é o caso da matemática. As ciências dessa natureza não se preocupam com as coisas que estão ou não no mundo e por isso contem algo de certo e inquestionável, por exemplo, esteja eu acordado ou sonhando, no ano de 932 ou 2120 um quadrado nunca terá mais de quatro lados e que 3 + 2 sempre será cinco, ou seja, a matemática não pode ter alguma falsidade ou incerteza.

Ainda insatisfeito, Descartes usa o argumento de Deus que derruba até mesmo as certezas matemáticas, pois esse Deus é todo-poderoso e mesmo que acreditemos que seja bom, é possível que Ele nos tenha feito de tal modo que somos inclinados a erros em nosso raciocínio. Mas vamos então pensar que não exista um Deus, nesse caso, temos ainda mais chances de sermos imperfeitos (já que não fomos criados por um Deus perfeito) e somos mais suscetíveis aos enganos, e então até mesmo as verdades matemáticas podem ser falsas. Descartes coloca então no lugar de um Deus todo-poderoso, um gênio maligno, que no caso poderia ser enganador e astuto, bem como poderoso o suficiente para nos enganar sobre qualquer coisa, por isso passamos a crer que somos incapaz de alcançar qualquer verdade, pois tudo que sabemos, não passa de algo fantasioso. Quando tivermos uma dúvida, seria só se perguntar: “O gênio pode estar me fazendo acreditar nisso, mesmo que seja falso?”. Caso a resposta fosse “sim”, deveríamos deixar nossa opinião de lado, pois é duvidosa. Aqui Descartes havia se colocado em uma situação bem difícil – veja, se tudo está sujeito dúvida, então no que poderia acreditar, já não restariam bases solidas para construção de nenhum conhecimento seguro. 

Porém, nada está perdido! Imagine você fazendo a seguinte pergunta ao gênio: “Eu existo?”. Logo perceberá que o gênio só pode levar você a crer que você existe se caso você realmente existir – como seria possível você duvidar da sua própria existência se é preciso existir para ter dúvida? Bem, para duvidar, é preciso que você pense, e para pensar é preciso que você exista, certo? Por isso a famosa frase “Penso, logo existo”. 

Com isso a única certeza que podemos ter de início é a de que existimos pelo fato de pensarmos. A expressão marca o pensamento de Descartes pois com isso cria base para outro famoso pensamento seu, que é o pensamento dualista, onde somos seres dotados de corpo e razão, que são coisas separadas e que só podemos atingir o conhecimento através do uso da razão. Por isso mesmo Descartes foi um autor muito importante na história do pensamento.



Referências

DESCARTES, R. Meditações metafísicas. São Paulo: Folha de São Paulo, 2015.

sábado, 13 de agosto de 2016

O que é Filosofia?

A não ser que você seja um marciano e chegou ontem aqui na Terra, você provavelmente já ouviu as expressões: “minha filosofia de vida é...”, ou “a filosofia de nossa empresa defende que...”. Mas afinal o que isso representa?

Começaremos pela etimologia da palavra, ou seja, sua origem e evolução. Philosophia vem do grego, philo (amor ou amizade) + sophia (sabedoria) e pode ser traduzida por “amor a sabedoria”.  Então o filosofo pode ser entendido como aquele que tem amor ou amizade pela sabedoria e que busca o conhecimento.

A filosofia nasce com a necessidade do ser humano de interpretar a vida e por isso mesmo durante séculos fez uso dos mitos, que são historias que recontam as diversas situações encontradas na sociedade, representam a cultura e são passadas de geração para geração. Em seguida, passa contar com maior estrutura lógica do pensamento e assim surgem os filósofos que têm seus pensamentos transmitidos até os dias atuais. Esses pensamentos são defendidos e refutados ao longo da história e contam com diversas interpretações de outros filósofos.

Atualmente a filosofia vem ganhando espaço no Brasil por conta do seu retorno como disciplina obrigatória no ensino médio a partir de 2008 e também por ocupar maior espaço na mídia, porém, acho que você ainda se pergunta o que caralho é a filosofia, não é? Vamos pensar um pouco.

Como você aprendeu sobre a filosofia? Provavelmente em uma sala de aula com um professor passando textos enormes e nas apostilas com conteúdo enxugado e resumido que pouco faz sentido na sua vida, certo? Se for isso, você está entre a maioria no Brasil, a filosofia muitas vezes é confundida com erudição, inclusive há quem defenda que não deve ser ensinada na escola regular e que a serve apenas para pesquisa acadêmica. Coisa que acho de grande demência, pois, se a filosofia nasce como uma espécie de ferramenta para interpretação da vida, porque a deixarmos de fora justamente das situações cotidianas?

Para o estudo da filosofia é necessário dedicação e esforço, até porque a maioria dos filósofos possui linguagem complexa e sistemática e que normalmente confunde o leitor que não é iniciado nos estudos filosóficos. Porém, nada adianta compreender um texto filosófico se não conseguir encaixar suas ideias na vida, veja, imagina você entender todo o sistema da lógica de Aristóteles e não conseguir utilizar aquilo no cotidiano, complicado não é? Por isso mesmo que a filosofia tem que fazer sentido. E isso só fica mais fácil quando a encaixamos em nossa vida. E vale lembrar que o exercício da filosofia é justamente o de interpretar a vida, e, sabendo que existem bilhões de vidas seria impossível chegar a uma verdade universal, porque, além disso existem bilhões de interpretações com inúmeras possibilidades.

Para o exercício da filosofia também é importante questionar. Provavelmente a humanidade não evoluiria sem os questionamentos dos grandes pensadores, e ficaríamos no status quo (situação em que a mudança não ocorre) para sempre. Porém, não é o questionamento apenas. Tudo bem! Eu sei que você quer ser o diferentão e sair questionando tudo e todos, mas antes de fazer isso convido a você a pensar mais um pouco.

Você com certeza conhece o jogo para smartphone que atualmente virou febre, o PokemonGo (isso mesmo, tudo junto), muito bem, você não precisa jogar ou gostar, mas já se perguntou o porquê você não gosta? Será que você está sendo do contra simplesmente para ser o diferentão? Sinto muito, mas você se fodeu nessa. Gente do contra tem aos montes e a exclusividade de ser do contra não é sua. Então o que é questionar?

Para questionar é preciso autonomia. E a autonomia não é tarefa simples, pois vivemos em sociedade e por ela somos influenciados (e também influenciamos), mas você começa o questionamento justamente com perguntas do tipo: “Por que eu não gosto disso?” ou “Por que eu gosto?” ou então “Qual o fundamento disso?” e etc... Ou seja, você percebe que a filosofia requer questionamentos e este ganha sentido ao não aceitar verdades prontas que lhe são dadas.

Então, mais do que tudo, a filosofia não tem como objetivo a busca pela verdade absoluta e nem a imposição de dogmas, pelo contrário, busca o questionamento da vida e a melhor compreensão das possibilidades que conduzem nossas vivências.

terça-feira, 9 de agosto de 2016

O Amor - Desejo e Amizade



Trataremos aqui de amor, ou melhor, do amor. Um sentimento tão complexo de explicar, e ao mesmo tempo tão simples de sentir, um afeto que não sentimos por todos, mas que todos sentem. O amor se faz presente em diversos momentos de nossa vida, não é muito difícil ter lembranças de situações em que desejamos a presença de alguém que amamos, ou o quanto nos sentimos alegres pelo encontro da pessoa amada. Há quem diga, por exemplo, que o amor não importa, e que realmente o que interessa é o dinheiro ou a carreira, sem notar que, se o que lhe interessa é mesmo o dinheiro ou a carreira, ou até mesmo outras coisas, é por que possui amor por essas coisas. Sendo assim, o interesse pelo amor aumenta na medida em que sentimos. 

Vamos entender um pouco sobre dois fundamentais componentes do amor segundo o pensamento de Sponville . O primeiro é de Platão com sua ideia de Eros, ou o “amor-paixão”. O segundo vem de Aristóteles, com a “alegria de amar” ou também a Philía. Ambos os conceitos diferem na forma de amar, entretanto, se completam em sua magnitude, podendo dizer que um completa o outro de certa forma, como veremos a seguir. 

Começaremos pela noção de Eros, de acordo com Sponville, para Platão, amar é desejar, ou seja, você ama aquilo que deseja, ama aquele que deseja, ama enquanto e na intensidade em que deseja, e desejo nesse caso é simplesmente a falta, falta por aquilo que não tem, falta daquele que não tem. Assim sendo, nos leva a uma definição simples: você ama aquilo que deseja, e deseja aquilo que não tem. Todavia surge a pergunta: e quando passamos a ter? Nesse caso já não desejamos mais, pois desejo é pelo que não temos, e como amor é desejo, também já não amamos mais, isto é, ou você ama e deseja aquilo que não tem, ou tem, e aí nesse caso já não ama mais.

O amor é a falta, portanto, jamais amaremos o que é presença, por exemplo, o amor pela universidade só existe quando está no ensino médio, pois desejamos ser universitários, e quando conseguimos o sonhado ingresso para universidade, o amor por ela se esvai, passamos então a amar os finais de semana, as férias, e até mesmo o ensino médio. As metas podem ser outro exemplo, pois dentro da carreira profissional e até mesmo escolar estamos sempre buscando uma meta, e a meta nada mais é do que alcançar o que não se tem, e aquilo se torna um desejo, portanto, estamos sempre amando as metas, e quando alcançamos, traçamos novas metas e assim por diante. Um terceiro exemplo cabe aqui, que é o exemplo do casal, passamos a desejar alguém, traçamos um ideal desse alguém, e então, um belo dia conseguimos conquistar a companhia da pessoa amada, e aí surge o surpreendente, o desejo acaba, e com isso o amor também acaba. O fato aqui não quer dizer que a pessoa deixou de amar de realmente, mas sim deixou de desejar, ou seja, deixou de ter Eros pela universidade, pela meta, ou pela pessoa que desejava, porém, sabemos que não é tão simples assim e que fundo que o amor não simplesmente acaba, por isso mesmo Sponville, menciona a noção de amor a partir de Aristóteles, que explica o vazio que o Eros deixa que não compreendemos, esse componente do amor pode ser entendido como alegria de amar, ou também como Philía que pode ser também compreendido por alegria. 

Esse componente do amor entendido como Philía, segundo Sponville é o amor amizade, é o amor pelo mundo presente e por aquilo que se tem, ou seja, pela presença que alegra. É o amor pela universidade que traz alegria, pela pessoa que ali está e por aquilo que te alegra no momento que se faz presente. Por exemplo, é amar a universidade quando cursar a universidade, amar a pessoa amada na sua companhia e assim por diante. E como sei quando estou com alegria? Note que há momentos em que nos encontramos dispostos, com o máximo de energia possível, e em outros momentos estamos para baixo indispostos, isso significa que estamos menos potentes, ou seja, quanto mais potentes mais alegres estamos, quanto mais os encontros nos proporcionam a elevação de nossa potencia, mais alegres ficamos e assim também o contrário, quanto menos alegres ficamos, mais nossa potencia diminui e ficamos tristes. 

Portanto é possível concluir que o amor não é apenas Eros, em que o amor é desejo, e desejo é aquilo que falta, mas também pode ter como característica a Philía, pois nada nos impede de amar na falta, mas também continuar amando quando temos e nos alegra, nada nos impede de desejar a universidade e quando passar no vestibular amá-la, de desejar uma pessoa e quando conseguirmos que sua falta se torne presença continuar a amando. O amor, muito mais do que duas definições, muito mais do que duas explicações, é um sentimento complexo que não se deixará jamais traduzir por duas ou mais leituras, vários autores tentaram e tentam explica-lo, mas somente quando sentimos é que saberemos como de fato é amar.





Referências 

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Brasília: Ed. UNB, 2001. 
PLATÃO. Diálogos: O Banquete. São Paulo. Editora Abril, 1972 (“Os Pensadores).
SPONVILLE-COMTE, André. O Amor. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2011.